Tempestades de areia, enchentes, secas e queimadas. Os efeitos das mudanças climáticas se tornam cada vez mais presentes em nossas vidas, A evidente crise climática é uma questão mundial e por isso todos estarão atentos a COP 26 (Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas), que acontece entre 31 de outubro e 12 de novembro, em Glasgow, Escócia.
A edição deste ano terá a participação de mais de 30.000 representantes pessoas, entre líderes mundiais, diplomatas, jornalistas, representantes de organizações da sociedade civil, ativistas e empresários. Serão dias de negociações complexas para rever e fechar compromissos sobre a emissão de carbono na atmosfera.
Destacamos dez pontos que consideramos essenciais para entender e acompanhar o que está em jogo na COP26.
1- A importância da COP26
A COP26 estava marcada para acontecer em 2020, 5 anos depois da criação do Acordo de Paris, tratado assinado durante a COP21 por quase 200 países. Nele, os países formalizaram seu comprometimento em frear as mudanças climáticas com planos para diminuir suas emissões de carbono.
Na COP26, os países discutirão e apresentarão metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa, com indicações de reduções de desmatamento e também da eliminação gradativa do uso energético do carvão, entre outras estratégias de ação. Esses planos, juntos, pretendem deter o aumento da temperatura global de mais de 1,5 ºC até o final do século. É esperado para o evento a finalização de um Livro de Regras para frear o aquecimento global, proposto no Acordo de Paris.
O encontro teve sua data original transferida em razão da pandemia do coronavírus. A última COP aconteceu em Madrid, em 2019.
Devido a pandemia, o evento ocorre este ano e são esperadas propostas mais incisivas dos países participantes, tendo em vista as diversas catástrofes climáticas que acompanhamos nos últimos anos e que possuem conexão direta ao aumento da temperatura global. É esperado para o evento a finalização de um Livro de Regras para frear o aquecimento global, proposto no Acordo de Paris.
A Conferência ocorre em meio a transições políticas bruscas e uma situação ambiental cada vez mais grave, além da onda negacionista potencializada pela pandemia. No caso dos Estados Unidos, um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo, o país se retirou do Acordo de Paris no fim de 2020, nos últimos meses de gestão de Donald Trump, voltando ao tratado meses depois com a posse de Joe Biden como presidente. Países como China e Brasil também estão entre os maiores produtores emissores de gases de efeito estufa do planeta e precisam apresentar medidas e soluções para frear seus impactos nas emissões de gases – o que não está sendo visto.
Dessa forma, o evento é um ponto chave para uma possível iniciativa global contra o agravamento das mudanças climáticas, havendo, mais do que nunca, a necessidade de exigência de maior comprometimento e aderência dos países membros, estabelecendo prazos, financiamento, adaptação e mesmo consequências em caso de descumprimento ou descaso com as pautas.
2 – O Acordo de Paris e o aquecimento global
Assinado em 2015, o Acordo tem como principais pontos a reunião de esforços para frear o aquecimento do planeta em até 2ºC, mas buscando meios para limitar o aumento em até 1,5ºC. As previsões, caso nenhuma medida seja tomada, indicam um aumento de 3 a 4ºC, o que causaria mudanças climáticas irreversíveis e afetaria a vida na Terra.
Podemos esperar uma cobrança maior para o cumprimento do acordo, além de propostas mais ambiciosas para efetivamente reduzir esse aumentofirmes, haja vista o aumento de catástrofes como enchentes que ocorreram na Alemanha e Bélgica nos últimos meses, incêndios nos EUA e Austrália, além dos verões atipicamente quentes, com ondas de calor intensas por toda a Europa.
3- O Artigo 6º do Acordo de Paris
O Artigo 6 do Acordo de Paris é uma das únicas peças do livro de regras do Acordo de Paris que precisa ser concluída. O ritmo lento das negociações do Artigo 6 até agora não justifica, uma abordagem de "acordo a todo custo” para as negociações na COP26. Chegar a uma decisão - especialmente na ausência de representantes de muitos dos países que provavelmente serão mais afetados pelas atividades do Artigo 6 - não seria uma medida de sucesso e colocaria em risco a integridade do Acordo de Paris.
4 - Mecanismos de mercado
Com muita frequência, o comércio de créditos de carbono, por meio de esquemas de compensação, apenas permite a poluição usual por grandes emissores e as violações de direitos humanos e danos ambientais que a acompanham. Sem proteções robustas, os mercados incentivam a grilagem de terras, colocando em risco os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais. As lacunas permitiram créditos sem reduções verificadas ou permanentes, e a dependência de compensações perpetua a falácia de que um benefício climático em um lugar pode contar contra as emissões contínuas em outro. Não há espaço para uma abordagem do tipo “isso ou aquilo” para as reduções de emissões em um mundo com restrições climáticas. Além disso, tratar a mitigação do clima como um mero problema de contabilidade de carbono não é apenas reducionista, mas também sugere uma falsa equivalência entre as emissões de carbono que ignora a experiência das comunidades onde a poluição está concentrada. Os mecanismos de mercado não têm um papel de longo prazo a desempenhar, pois manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5 ° C requer ação doméstica real e imediata.
O Grupo Carta de Belém chama a atenção para os perigos da introdução de florestas, ecossistemas e da agricultura nestes mecanismos de mercado de carbono. Para o grupo, “os mecanismos de mercado criados para a redução das emissões de gases de efeito estufa representam um processo histórico de reconfiguração das formas de acumulação e promovem nova reengenharia global da economia em nome do clima.”
Por isso, o grupo defende a não introdução das florestas, ecossistemas e da agricultura em mecanismos de mercado de carbono e também critica a promoção de instrumentos do mercado financeiro como forma de financiar a ação climática dos países.
5- Manifesto Carta de Belém
O Grupo Carta de Belém estará presente em Glasgow para o evento e liberou, em outubro de 2021, o Manifesto rumo à COP26. O documento reúne uma série de assinaturas de movimentos ambientais e populações vulneráveis, como movimentos indígenas e quilombolas, e propõe uma guinada verde no momento pós-pandemia. O Manifesto também propõe uma ampla participação da sociedade civil na COP26.
Leia o Manifesto na íntegra aqui.
Em seu Artigo 6º, o Acordo de Paris planeja a criação de um mercado global de carbono, isto é, uma regulamentação dos mecanismos de mercado que possibilita a movimentação econômica a partir da compra e venda de créditos de carbono entre os países. Um crédito de carbono corresponde a menos uma tonelada de carbono lançada na atmosfera. Dessa forma, o artigo, que ainda precisa ser ratificado e aprovado na COP26, significa um incentivo financeiro para tecnologias mais sustentáveis do que as que utilizamos hoje.
6- Acompanhe a cobertura colaborativa da Mídia Ninja
A Mídia Ninja estará em Glasgow cobrindo, pela primeira vez, a COP. Com a ajuda de comunicadores voluntários e de ativistas pelo clima, o grupo cobrirá as mesas de negociação, os bastidores e o que acontece nas ruas durante a conferência.
Confira a programação completa da cobertura e assista nas redes sociais da Mídia Ninja.
A Fundação Heinrich Böll é uma das parcerias da cobertura junto com a APIB, entre outros grupos.
7- Como o Brasil chega na COP
O Brasil chega à COP26 sob pressão e desconfiança internacional. Em estudo recente do observatório do clima, o Brasil aumentou um 9,5% suas emissões de gases de efeito estufa em 2020, principalmente devido ao desmatamento na Amazônia. Isto coloca o país na contramão do previsto no Acordo de Paris e também da média global de emissões, que apresentou redução de 7% devido à adoção do lockdown, paralisação de voos e diminuição de serviços industriais.
O governo também reforçou seu novo posicionamento quanto aos mecanismos de mercado. Se historicamente havia uma posição mais reticente do Brasil, há nos últimos anos uma visão mais pró-mercado de carbono, o que vai de encontro ao posicionamento de parte da sociedade civil, como o grupo Carta de Belem, já mencionado anteriormente.
Durante as negociações para a COP25, em 2019, o Brasil foi um dos entraves no caminho da aprovação do Artigo 6º do Acordo de Paris. À época, o Ministério do Meio Ambiente contava com a gestão de Ricardo Salles, enquanto o Ministério das Relações Exteriores dispunha de Ernesto Araújo, que comandaram políticas de desmonte a políticas públicas ambientais e populações indígenas e ribeirinhas, além de atritos na relação do Brasil com outros países, como visto durante a pandemia.
Seguindo a fala do ex-Ministro Araújo, o Brasil chega à COP26 como um pária internacional, se tornando o primeiro grande desafio das novas gestões dos dois Ministérios – Joaquim Pereira Leite, com o Ministério do Meio Ambiente, e Carlos França com o Ministério das Relações Exteriores. De fato, ambos assumiram suas pastas seguindo uma postura moderada em comparação a seus antecessores, mas não são esperadas grandes iniciativas por parte dos novos ministros. A presença do presidente Jair Bolsonaro é incerta.
Ao contrário do que foi visto nos outros países, o Brasil apresentou um aumento de 9,5% nas emissões de gases poluentes em 2020, durante a pandemia de Covid-19, segundo estudo realizado pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, do Observatório do Clima. Na contramão, a média global de emissões apresentou redução de 7% devido à adoção do lockdown, paralisação de voos e diminuição de serviços industriais.
Buscando fortalecer as vozes da sociedade civil brasileira, lideranças indígenas, representantes de comunidades quilombolas, ambientalistas e ativistas do clima estarão em Glasgow para alertar sobre o desmatamento na Amazônia e a urgência de medidas para frear o aquecimento global. Acompanhe estas ações nas redes sociais da Carta de Belém, FASE, Engaja Mundo e Tese Onze.
8- Plástico fomenta a crise climática – Gaia
O grupo GAIA – sigla para Aliança Global para Alternativas Incineradoras, em inglês-, também publicou um documento sugerindo alternativas a respeito do mercado de carbono. A publicação, assinada por diversos grupos de ativismo ambiental, tem foco no fim do uso de combustíveis fósseis e na regulamentação do uso do plástico, propondo a proibição de plásticos de uso único e a responsabilização de empresas petroquímicas e poluidoras plásticas pela contribuição para o aquecimento global.
Confira o documento na íntegra aqui e baixe o Atlas do Plástico para conferir mais dados sobre as contribuições desta indústria para a crise climática que vivemos hoje.
9- Financiamento para tomar medidas necessárias
O documento publicado pela GAIA aponta ainda para a necessidade de financiamento parade um modelo de transição comprometido com uma forte proteção social e renda digna para trabalhadores envolvidos em processos de reciclagem, reutilização e prevenção de resíduos, tendo em vista que estas populações se encontram em situação vulnerável diante do agravamento da crise climática em todo o mundo.
10 – Colocar as pessoas e as comunidades no centro das ações climáticas
É importante fortalecer a mensagem central de diversos grupos da sociedade civil. Colocar os povos e comunidades no centro da ação climática contribuirá para conter os esforços para aumentar a financeirização das políticas e ecossistemas climáticos - incluindo as chamadas "soluções baseadas na natureza" - que têm o potencial de minar a ação climática eficaz e comprometer a direitos das comunidades afetadas, especialmente mulheres ou povos indígenas. A promoção dos direitos humanos, a garantia de salvaguardas sociais e ambientais e de reparação podem contrariar essas tendências, garantindo que esses mecanismos não representem uma ameaça aos direitos humanos e, se ocorrerem violações, que sistemas adequados de reparação estejam em vigor.
A COP26 deve garantir que os direitos humanos, incluindo os direitos dos Povos Indígenas, de igualdade de gênero e de uma transição justa, sejam observados em todos os resultados da COP, de modo a efetivamente conduzir ações climáticas nacionais justas e inclusivas e políticas centradas nas pessoas.Na contrapartida da estimulação financeira para a promoção de ações sustentáveis, o Grupo Carta de Belém sugere o estímulo da participação da sociedade civil para o engajamento amplo de ações em favor do clima. No Manifesto publicado, o grupo segue a ideia do People’s first, sugerindo a promoção de uma agenda sustentável que considere os indivíduos antes do valor mercadológico.